HOMOSSEXUALIDADE, POR QUE?
Medico: Dr Paulo Branco
www.medicinaintegrad.med.br
A resposta, em Michel
Foucault que critica a redução da homossexualidade a seus aspectos biológicos –
cheia de preconceitos e aborda a necessidade de luta por causas para além do
modelo heteronormativo.
Com o aumento do espaço na mídia, no mercado
consumidor e até de decisões inusitadas da justiça, surgem duvidas que ficam no
ar: porque existem homossexuais? Trata-se de um modismo, ou de uma condição
biológica?
O francês, Michel Foucault, sabidamente homossexual,
tentou esmiuçar o tema e, em sua tese, versa sobre essas perguntas. Ele refuta
veementemente a possibilidade de se abordar a homossexualidade sob um ponto de
vista biológico, ideia compartilhada antes por Freud, pois derivaria daí um
maior preconceito, já que se podia classificar como uma doença ou defeito
genético e/ou algo que se pudesse curar. Neste artigo veremos como Foucault
diferencia os termos homossexual de gay, atribuindo caráter militante e
político ao segundo.
O surgimento dos homossexuais:
Mesmo que você não seja homossexual, quase com certeza
conhece ou convive com um. E, independentemente de qual seja a sua postura
diante dessa pessoa, você provavelmente já parou para pensar: Porque existem homossexuais?
Ou, se você mesmo tiver desejos homoeróticos, já deve ter apercebido imenso no
pensamento especulativo Por que sou assim?. Respostas e argumentos não faltam,
desde os mais esotéricos até os científicos. Tais argumentos não eram nada
satisfatório para o filosofo francês Michel Foucault. Para ele, tudo que se diz
sobre as supostas causas da homossexualidade, é de uma simplicidade ingênua.
Sobre isso, ele levanta importantes questões: o que está por trás desta vontade
de sabe, desta busca incessante. A maior parte de seus questionamentos sobre o
tema se encontra Ditos e Escritos em A historia da sexualidade.
Foucault é eventualmente mal compreendido e, em geral,
os erros de leitura em relação à sua obra decorrem de recortes malfeitos
daquilo que ele efetivamente disse. Um dos pontos em que se instaura a má
compreensão está na critica que o filosofo faz em relação a alguns pontos dos
movimentos de liberação gay. O que ele critica não é a afirmação do desejo
homoerótico, o que seria estranho, posto que ele mesmo tinha orientação
homossexual. O perigo, segundo Foucault, é a afirmação deste desejo a partir de
argumentos biológicos e naturalistas, ou seja, a conversão de desejo em
identidade biologicamente determinada.
Em uma entrevista realizada em Toronto, Foucault diz:
O que eu quis dizer é que, na minha opinião, o movimento homossexual hoje
precisa mais de uma arte de viver do que de uma Ciência ou de um conhecimento
cientifico ( ou pseudocientífico ) daquilo que é a sexualidade. Em síntese:
Segundo Foucault, muitos homossexuais estão por demais paralisados na busca
contínua por algo que explique a causa de seus desejos, no lugar de viverem
estes desejos.
BIOLOGISMO HOMOSSEXUAL
O posicionamento cauteloso diante das causas da
homossexualidade irrita principalmente algumas correntes militantes, que
preferem apregoar o determinismo biológico como uma forma de convencer que a
homossexualidade é natural isso deveria ser evidente, pois o que não falta na
natureza são exemplos de relações homossexuais entre animais. Além disso, o
argumento que contesta a homossexualidade a partir da natureza é falho pois, se
fossemos seguir firmemente o que é natural, não forçaríamos a existência da
monogamia e, convenhamos, sequer vestiríamos roupas.
O que alguns militantes não percebem é que a defesa do
desejo homossexual como uma identidade biologicamente determinada pode ser
combustível perfeito justamente para os HOMOFOBICOS. Afinal, se provamos que o
desejo homossexual é fruto de singularidades físicas, tudo isso poderia ser
tratado por terapêuticas, do mesmo modo que corrigimos a miopia ou outra
singularidade fisiológica incômoda. Foucault,
mais de uma vez, apontou para o fato de que a vida é uma escolha entre perigos
e que não existe um caminho ideal, mas sim riscos mais ou menos administráveis.
Apostar num determinismo biológico que, por si só, seja fundamentado para o
desejo homoerótico é um perigo, pois não implica necessariamente em aceitação –
os homofóbicos podem argumentar que tal condição seria uma doença, uma aberração
medicamente tratável. Foucault critica, em primeiro lugar, a falácia da causa
única, seja ela qual for, física ou psicológica; em segundo lugar, os perigos
decorrentes da abordagem da homossexualidade como uma doença biológica passível
de tratamento. Neste sentido, podemos observar ao menos uma interseção entre
Foucault e Sigmund Freud, não obstante as discordâncias em outras esféricas.
Freud também era contrário a idéia da causa única, muito embora se pense –
equivocadamente – que o pai da psicanalise tentava explicar a homossexualidade
a partir do problema de um pai ausente e uma mãe dominadora, sempre. A leitura
dos Três Ensaios Sobre a Teoria da
sexualidade, publicado pela primeira vez em 1908, mostra o que Freud
efetivamente disse:
Nem a hipótese de que a inversão é inata, nem tampouco
a conjectura alternativa de que é adquirida explicam sua natureza. No primeiro
caso, é preciso dizer o que há nela de inato, para que não se concorde com a
explicação rudimentar de que a pessoa traz consigo, em caráter inato, o vínculo
da pulsão sexual com determinado objeto sexual. No outro caso, cabe perguntar
se as múltiplas influências acidentais bastariam para explicar a aquisição da
inversão, sem necessidade de que algo no individuo fosse ao encontro delas. A
negação deste último fator, segundo nossas colocações anteriores, é
inadmissível.
A CIÊNCIA A SERVIÇO DE IDEOLOGIAS POLITICAS
A investigação histórica deixa claro o quanto alguns
discursos científicos se encontram atrelados a ideologias especificas,
inviabilizando uma suposta pureza e tornando a ciência um
instrumento a serviço de grupos particulares. Nestes casos, não haveria uma
relação excludente entre a ciência e ideologia; haveria, isso sim, uma
retroalimentação. Se é possível uma ciência de fato pura e isenta de
ideologias, isso é assunto para muita discussão – em outro artigo.
No que tange aos homossexuais, só o fato de nos
referirmos a um desejo ( gostar do mesmo sexo ) como uma identidade ( ser algo)
já conduz a interpretações equivocadas, a partir das quais se infere que
existem comportamentos comuns, características de personalidade, destinos
específicos ligados a uma essência homossexual. Seja na forma de criticas (
homossexuais são mais promíscuos e traem mais ), seja na forma de elogios (
homossexuais são mais sensíveis e inteligentes do que heterossexuais ), vejo o
que está implicado neste discurso: A ideia de uma essência inata, a ideia de
uma especificidade biologicamente determinada que torna todos os desejantes do
mesmo sexo como fazendo parte de um subconjunto modelar. Até mesmo entre alguns
grupos de militantes gays contemporâneos, o mais importante parece ser a
afirmação de uma identidade ( eu sou gay ) do que as implicações do desejo ( o
que eu desejo? Como posso experimentar a vida a partir dos meus desejos ) e,
assim, deixam-se de buscar as diferenças que singularizam ( no que eu, gay
difiro dos outros gays). Evoca-se que as pessoas saiam dos armários como uma
obrigatoriedade ideológica. O homem homossexual que não se declara é tido como
covarde e mentiroso, pois o desejo deve ser tornado público e posto a serviço
de uma ideologia.
Nas situações confessionais ( desde a confissão
sacerdotal até a Psicanálise ), o sujeito desejante produz um discurso sobre
sua própria sexualidade, que será consequentemente interpretado por um sujeito
suposto saber, uma autoridade. Ocorre que para Foucault, a verdade velada neste
processo não se trata de uma descoberta, e sim de uma produção. Trata-se de um
espaço de veridição, ou seja, de construção de um discurso que estará vinculado
a uma ideologia e a interesses que estão além do sujeito desejante, incluindo
este sujeito e dissolvendo toda a sua singularidade num conjunto de universais
que ajustam as pessoas a um todo que confirma – e na verdade constrói – uma
identidade.
O SURGIMENTO DO HOMOSSEXUAL
Um dos pontos
mas provocativos da obra de Foucault está e sua afirmação de que o
homossexual enquanto categoria tem data de nascimento: 1870, com o artigo de
Carl Westphal. ( 1833 -1890 ) As sensações Sexuais Contrarias. Aqui, é
importante salientar o que Foucalult não disse,a fim de dirimir eventuais mal
entendidos: Ao dizer que o homossexual tem data de nascimento, isto não
significa que homens não faziam sexo com homens antes de 1870. A diferença
fundamental é que , a partir do século XIX, o discurso vigente falava a
respeito de “ uma espécie “, “uma categoria “de criaturas a quem chamamos de o
homossexual. Antes de 1870 havia a recriminação contra atos homossexuais, mas
supostamente não se aventava que existisse algo como o homossexual substantivo.
Um individuo que praticasse o coito homoerótico não era rotulado como
pertencente a uma subclasse especifica da humanidade, e bastava a ele que - após o ato confessional – se redimisse a
partir de algumas praticas que o “ purificavam do ato. O sujeito não era algo,
ele tinha feito algo. O investimento das instituições de poder vigentes ( a
Igreja, mas especificamente ) nesta direção se limitava a prescrever orações
como forma de redenção contra o ato dito “pecaminoso “ ( embora nos séculos XVI
e XVII muitos tenham sido mortos pela inquisição, por conta da pratica
homossexual ). A partir de 1870, ocorre uma mudança de paradigma, nasce o
conceito de “o homossexual “, uma entidade singular essencialmente determinada,
alguém com uma diferenciação de desejo que abarcava toda a inteireza do seu
ser.
Quando Foucault afirma que “o homossexual” é
construído, ele não está afirmando que as pessoas se tornam homossexuais por
conta de influências ambientais. O fato é que se descobrir desejando o mesmo
sexo a partir da década de 1870 passou a ter uma implicação diferenciada: o
sujeito não estava apenas tendo um desejo, mas ele se descobria parte de um
subconjunto da humanidade. Esta marca, este estigma, recaía sobre o sujeito
como um ferro de marcar gado. Afinal, ele pertencia a uma classe que havia se
tornado alvo de estudo cientifico. Não era ele quem dizia de si, de seu desejo,
e sim as autoridades.
O começo do século XX foi marcado pelo surgimento de
diversas “ tecnologias do sexo e “ ciências da sexualidade “ , que se encontravam assaz comprometidas com
o objetivo de preservar e promover a força laboral produtiva e procriadora,
servidora de um sistema capitalista em desenvolvimento cujo centro
fundamental era a família burguesa.
Deste modo, homossexuais evidentemente incomodavam por constituírem uma
anomalia no sistema que exigia a procriação. O homossexual foi transformado
numa espécie ameaçadora da máquina – como se uma minoria que não se reproduz ao
praticar sexo fosse realmente induzir a humanidade à extinção!
Com a psiquiatrização da homossexualidade no fim do
século XIX, surgiu o pensamento equivocado de que tudo no homossexual se resume
ao sexo, ele está imerso em sua própria sexualidade e, deste modo, as
identidades são construídas a partir desta crença. Tudo se resume a este
pequeno detalhe. Conforme diz Foucault:
O homossexual do século XIX torna-se um personagem: um
passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida: também é
morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa.
Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa a sua sexualidade. Ela está
presente nele todo: subjacente a todas as suas condutas, já que ele é o
princípio insidioso e infinitamente ativo das mesmas; inscrita sem pudor na sua
face e no seu corpo já que é um segredo que se trai sempre.
Foucault não nega eventuais indícios biológicos para
as preferências sexuais. Ele jamais afirma que não existe um fator biológico; o que ele rejeita é a militância patada e
justificada na biologia. A questão é; a que serve este conhecimento? Com qual
ideologia ela está implicada? São perguntas que não permitem uma atitude
ingênua.
No inicio dos anos 1980 e até sua morte, Foucault irá
declarar – em mais de uma ocasião – que a grande questão não é descobrir-se
gay, e sim tornar-se gay. Este é outro posicionamento mal compreendido em seu
discurso. Ele não está dizendo que todos deveriam ser homossexuais, até porque
para Foucault, “homossexual “e gay “não são sinônimos. É preciso, neste ponto
do texto, diferenciar o termo “gay”de “homossexual” pois, apesar de aparentarem
relação de sinonímia, possuem uma notável diferenciação histórica.
Homossexual versus gay
Homossexual,
conforme já vimos, é um termo que surge no contexto do final do século XIX, e
ilustra uma suposta categoria de indivíduos portadores de uma doença
debilitante. A construção conceitual “colou” com tamanha força, que apenas no
final do século XX a homossexualidade foi retirada do rol de distúrbios
listados pelo Catalogo Internacional de Doenças. Até a década de 1960,
homossexual foi o termo utilizado, carregado de implicações médicas, legais e
psicológicas.
Mas, nos anos 1960, paulatinamente alguns homens e
mulheres passaram a se referir a si mesmos como gays, do inglês “alegre”, o que
provocou consternação em muitas pessoas de sexualidade dita “normal”, uma vez
que um vocábulo comum tinha sido sequestrado por um assim dito “grupo
pervertido”. A diferença mais substancial entre os termos gay e homossexual
está no fato e que, enquanto a categoria homossexual era um objeto de conhecimento
das biociências, os gays eram um grupo específico que afirmava ostensivamente
um posicionamento politico. Um grupo que lutava por seus direitos, pela
descriminação, um grupo que lutava em prol do respeito as diferenças. “Ser gay”, portanto, seria questão de
orgulho, e não de patologia. Seria uma postura de resistência contra as
normatividades, uma resistência na qual o sujeito, dizendo-se gay, está a
dizer, sou feliz desejando o que desejo, e não me sinto mal por isso. Do mesmo
modo que os movimentos feministas conquistaram espaço para as mulheres ao longo
dos mesmos anos 1960, os movimentos gays se negaram a assumir para si a
representação a representação de sujeitos portadores de uma patologia. A partir
deste ponto de vista, nem toda pessoa que deseja o próprio sexo é gay. Ela é
alguém que deseja o próprio sexo, e apenas isso: um homossexual. Mas ser gay é
uma conquista pessoal, é assumir uma postura politica, é lutar por um mundo em
que as diferenças são respeitadas. Para Foucault, nem todo homossexual é gay, e
não o será enquanto permanecer paralisado em sentimentos de culpa e submisso a
um discurso patológico.
Ao longo de Ditos e Escritos, Foucault aponta para o
fato de que é preciso procurar ser gay, ou seja, assumir uma postura ativista,
militante, que luta por um lugar ao sol. Mais do que simplesmente copiar os
modelos heteronormativos, “ser gay”, segundo Foucault, é se aproveitar de sua
diferença a fim de criar novas formas de relação, inventar novos estilos de
vida. Ser gay não se resumiria, portanto, a batalhar por uma inserção no estado
vigente das coisas, e sim uma forma de alterar este estado vigente. O filósofo,
em momento algum, pretende limitar sua abordagem à conquista de direitos
existentes, como o direito ao casamento entre homossexuais, mas como uma
militância sem fim, que vai além do que existe atualmente. Sobre a questão do
casamento gay, por exemplo, Foucault reconhece que tal conquista é importante,
mas que limitar a luta à mera reprodução do modelo conjugal heteronormativo
seria um empobrecimento, uma perda de oportunidade de realizar mudanças
significativas. O que ele propõe é algo muito mas revolucionário do que muitos militantes gays poderiam sequer
aventar: a utilização da própria condição marginal como uma forma de não apenas
ser aceito pela sociedade, mas como uma forma de transformar a estrutura da
sociedade.
Todo programa de invenção deveria ser aberto, segundo
o filósofo. Em sua entrevista intitulada A amizade como modo de Vida, ele deixa
claro que todo programa deve ser vazio. Recusando-se a prescrever o futuro e a
assumir o papel de “guru gay “’, ele também exprimia diversas reticências em
relação aos partidos políticos, salientando a importância de movimentações
espontâneas, não necessariamente ligadas as governo: Desde o século XIX, as
grandes instituições politicas e os grandes partidos políticos confiscaram o
processo de criação politica; quero dizer por ai que eles tentaram dar a
criação politica a forma de um programa politico, a fim de se apoderar do poder.
Penso que se deve preservar o que aconteceu nos anos 1960 e no início dos anos
1970. Uma das coisas que é preciso preservar, na minha opinião, é a existência,
fora dos grandes partidos políticos, e fora do programa normal ou ordinário, de
uma certa forma de inovação politica, de criação politica e de experimentação
politica. É um fato que a vida cotidiana das pessoas mudou muito entre o início
dos anos 1960 e agora, e minha própria vida mostra isso. É evidente que não
devemos essa mudança aos partidos políticos, mas a numerosos movimentos. Esses
movimentos sociais de fato transformaram nossas vidas, nossas mentalidades e
nossas atitudes, assim como as atitudes e mentalidades de outras pessoas –
pessoas que não pertenciam a esses movimentos.
Por fim, por mais que o gênero pareça ser um
componente fundamental de nossas identidades, sejam elas gays ou heteros, nós
somos muito mais do que nossos gostos sexuais – e é curioso notar como, em
termos de gostos, o desejo sexual parece ter tanta importância em nosso mundo,
a ponto de ninguém pensar em definir ou se rotular porque gosta, por exemplo,
de comer ostras ao vinho ou beber suco de manga. As palavras que usamos e os
pensamentos que fomentamos definem as coisas que somos, como uma construção
continua da realidade, que será mais ou menos rica a depender de nossa
militância individual em prol de um mundo mais rico em termos de possibilidades
relacionais. Um mundo em que as diferenças são respeitadas, ainda que não
inteiramente compreendidas. A bandeira do arco-íris, deste modo, seria mais do
que a representação de um desejo sexual. Seria a representação daquilo que vem
após as tempestades, um sinal de aliança e de coexistência possível das
diferentes cores, num mundo que viabilize o encontro e a amizade entre as pessoas.
Editorial: Escrito
na revista filosofia e que acho uma leitura obrigatória para o publico
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